O papel da inovação em tempos de crise.
Sempre tive um fascínio pela natureza e por tudo o que nos ensina, se pararmos para observar com atenção. Uma das coisas que sempre me fascinou foram os ursos e a hibernação. Passo a explicar:
Os ursos, predadores de topo de cadeia, animais ferozes e temíveis, quando confrontados com stress fisiológico (condições climáticas adversas) notam que, naquelas condições, o consumo energético provável (risco) é superior à probabilidade de ganho energético (benefício). Isto faz com que decidam não sair da toca e reduzam a sua atividade ao mínimo indispensável, entrando num estado de letargia (estado de sonolência e inatividade), reduzindo a taxa metabólica para metade e o fluxo sanguíneo em 45%. Resumindo, perante uma situação de stress, fecham-se no essencial à sua sobrevivência. É esta a reação dos ursos à crise.
Quando olhamos para o panorama da inovação empresarial em Portugal na fase de pandemia, não podemos deixar de sentir que, tal como os ursos em modo de hibernação, muitas empresas entraram num estado de dormência, seguindo também esta tendência de sensação de segurança. Mas será mesmo segurança o que irão encontrar?
Deixemo-nos de ursos por um instante. Já lá voltaremos
Estará a haver realmente um desinvestimento em inovação em Portugal?
Vamos aos factos.
Em julho de 2021, Portugal desceu de posição no Índice de Inovação Europeu (European Innovation Scoreboard 2021). Foram sete posições, de 12º para 19º lugar, passando de “inovador forte” para “inovador moderado”, abaixo da média da União Europeia. Analisando esta descida, poderíamos optar por justificá-la com a entrada de novos indicadores, mas a realidade é que o investimento das empresas portuguesas em inovação, baseada ou não na investigação e desenvolvimento, não chega aos 50% da média da União Europeia. Quando se analisa esse investimento por colaborador, a percentagem cai para 25% apenas. Isto são indicadores significativos de um desinvestimento por parte das empresas em inovação para níveis, no mínimo, preocupantes e que nos levam para valores inferiores aos de 2014.
A questão que se segue é então: porque é que isto estar a acontecer? Principalmente, vindos de um período de aumento considerável do investimento desde 2018, que refletia a inovação empresarial como um dos pilares estratégicos de grande parte das maiores empresas.
Voltando à toca do urso, muitas das principais empresas portuguesas parecem, de facto, ter hibernado no que toca à inovação, tal como o urso adormecido por um factor de stress. Expressões como “apertar o cinto”, “cortar gorduras” e “focar no essencial” têm sido frequentes nas decisões financeiras que incidem sobre controlo de custos, otimização de processos e procura de aumento de vendas. Tudo resoluções legítimas, mas que, no que diz respeito ao desenvolvimento das empresas, são resoluções a curto prazo. Perguntamo-nos então o seguinte:
Será que a Inovação deixou de ser considerada estratégica pelas empresas em Portugal?
Isso explicaria a descida do país em sete posições no European Innovation Scoreboard 2021, ao fim de sete anos a subir. Quando analisamos os indicadores, estes parecem inferir que Portugal é particularmente “penalizado” no ranking pelo facto de, agora, incluir um conjunto de oito novos indicadores muito ligados ao setor privado, nomeadamente, à indústria.
Com certeza, foi a pandemia que causou este constrangimento, não?
O que é realmente surpreendente é perceber que estes dados foram recolhidos junto das empresas portuguesas antes da pandemia, pelo que o cenário pós-pandemia deverá ser ainda mais conservador, encontrando-se em modo de “hibernação”.
Tão ou mais surpreendente é constatar que, neste caso, o Estado não será o grande “responsável”, uma vez que, segundo os mesmos dados, no parâmetro “Government support for business R&D” estamos acima da média europeia, nos 126%, uma subida consistente desde os 91% de 2014.
As causas para estes valores poderão então ser mais estruturais, assentando na falta de hábitos e práticas viradas para a inovação por parte das empresas e na falta de um sistema de suporte (processual, incentivos fiscais, legislação, lei de trabalho) que crie incentivos para os privados investirem de forma consistente em inovação.
Esta falta de suporte levanta mais questões quanto ao posicionamento estratégico real (e não apenas na secção dos valores no website das empresas), num país que, culturalmente, já é pouco dado ao investimento quando comparado, por exemplo, com o americano.
Mas a inovação é importante?
Vamos fazer um exercício: se perguntarmos a um qualquer gato/leão se gosta de água, provavelmente, teríamos na resposta um elegante olhar de desprezo, refletindo toda a ignorância da nossa pergunta. Certo? Bem, na verdade depende. É que à noite nem todos os gatos são pardos. Os Leões de Okavango, por exemplo, chamados de “swamp cats”, vivem e nadam literalmente em pântanos lado a lado com crocodilos. Mas já voltaremos aos leões de Okavango.
Segundo estudos da Mckinsey, podemos constatar o seguinte:

Pelo que podemos inferir, apesar da maior parte dos executivos parecerem concordar com a premissa de que a inovação é crítica para os seus negócios, apenas alguns estão satisfeitos com a forma como é trabalhada nas suas empresas. Para além disto, poucos parecem saber exatamente qual o problema a abordar e como melhorar a sua inovação e R&D.
Os decisores das empresas parecem reconhecer que no ambiente BANI (Brittle/Frágil, Anxious/Ansioso, Nonlinear/Não-linear, Incomprehensible/Incompreensível) em que vivemos, para um negócio sobreviver e prosperar, tal como os leões do Okavango, também as empresas devem conseguir adaptar-se rapidamente à mudança das condições do ambiente que as influencia. A máxima adapt or die parece ser uma verdade universal cada vez mais real.
A inovação passa as empresas da defesa para o ataque, de serem definidas para definirem, e de observadoras para participantes determinantes no que acontece a seguir.
A inovação empresarial é importante, mas também dá muito trabalho e precisa de investimento consistente. Não há shortcuts nem radares milagrosos para Unicórnios. É um processo que falha mais do que acerta e que precisa de investimento, consistência, paciência, apadrinhamento da liderança, organização, cultura de inovação, mensuração e equipa dedicada. É importante haver essa consciência por parte das empresas porque quando existe, a probabilidade de sucesso aumenta consideravelmente.
E durante uma crise mundial? Qual o papel da inovação?
Na natureza, quando confrontados com um momento de “crise”, os animais recebem a ameaça gerando estímulos no seu sistema nervoso que desencadeiam comportamentos. Estes comportamentos podem ser totalmente diferentes, desde os famosos saltos das Gazelas-de-Thomson, às “Fainting Goats” que desmaiam perante a crise, ao sistema lateral dos peixes que os faz virar para o lado contrário à onda provocada na superfície da água, ou até ao confronto com o agressor como, por exemplo, os hipopótamos.
Um estudo sobre o batimento cardíaco de cavalos expostos a um confronto com touros, revelou que todos os cavalos sentiam medo (medido pelo aumento de batimentos cardíacos), mas o que distinguia os excelentes cavalos de montada dos demais era a atitude perante o medo. A isso, no estudo, chamaram de coragem. Era a atitude perante a crise que determinava os mais bem-sucedidos.
A palavra “crise” em mandarim é composta por dois caracteres: um representa o perigo e o outro representa a oportunidade (observou John F. Kennedy). Não sabendo qual a acuidade da observação em termos linguísticos, este sentimento estoico, de perante a suposta adversidade vermos uma oportunidade, é algo que nos faz todo o sentido.
Em momentos de crise, o mais comum de observar é, como já vimos, o foco na manutenção da continuidade do negócio, o foco no core, com direção à produtividade e medidas de segurança. Não é de surpreender, portanto, que a inovação sofra com este virar para dentro, uma vez que os princípios da mesma estão focados no virar para fora.
Hoje, há efetivamente uma redução clara do compromisso com a inovação, como é possível observar no estudo abaixo, que representa as áreas prioritárias para os executivos em diferentes momentos: pré-crise, hoje, fim da crise sanitária, recuperação financeira.
A pandemia que vivemos veio quebrar grande parte dos paradigmas da vida que conhecíamos, desde o lado mais pessoal de como nos comunicamos, relacionamos ou passamos o tempo, ao lado mais profissional de como gerimos o tempo, as equipas e as prioridades.
De acordo com o infográfico da Mckinsey, podemos inferir que quase todos os executivos inquiridos acreditam que a Covid-19 terá um impacto prolongado no seu negócio e nas vontades dos clientes. Contudo, ainda são poucos os que consideram ter as ferramentas para responder a este momento, que identificaram como (provavelmente) o mais desafiante das suas carreiras.
Três em cada quatro executivos concordam que as mudanças trazidas pela Covid-19 serão uma grande oportunidade para crescimento, em particular nos sectores Tecnológico, CPG (Consumer Packed Goods), Pharma, Serviços Financeiros, Retalho, Healthcare (sistemas e serviços) e Serviços de Comunicação.
A Crise da Covid-19 apresenta então uma grande oportunidade que poucos parecem preparados para potenciar.
A História parece sugerir que as empresas que olham para um período de crise como uma oportunidade e agem, investindo em inovação, revelam uma performance superior relativamente à concorrência. Durante a crise de 2008, as empresas que inovaram, não só apresentaram uma performance superior em 10% no período de crise, como também 30% no período pós-crise.
“O desastre fornece um choque social que interrompe os padrões de comportamento habituais e institucionalizados e torna as pessoas suscetíveis a mudanças sociais e pessoais.” – Charles Fritz
As crises (como a que vivemos neste momento, em que a Rússia invade a Ucrânia, com potenciais proporções mundiais) impõem uma nova forma de ver o mundo por romperem com os pressupostos sobre os quais o quotidiano assenta, proporcionando uma porta para um mundo diferente. Criam uma mistura potente de disrupção do status-quo, liberdade face às convenções e constrangimentos de tempo e recursos, e resultam numa recondução rápida dos recursos (humanos, financeiros, tempo) para uma série de improvisações radicais (inovação radical). Fazer diferente, de forma simples, rápida e ágil torna-se a única solução.
Infelizmente, estamos perante um novo cenário de potencial crise mundial, onde os paradigmas estão a ser novamente questionados, os esforços financeiros e humanos reconduzidos e as soluções a serem rapidamente desenvolvidas para responderem a necessidades prioritárias. Já está a acontecer com recursos tão simples como os cereais ou o gás natural.
Às empresas portuguesas, cabe-lhes questionarem-se o seguinte: vamos pôr a inovação em modo de hibernação e esperar que a tempestade passe lá fora, enquanto caminhamos para a obsolescência? Ou vamos olhar para a adversidade e reagir, procurando perceber as novas dores e necessidades, e criando as condições necessárias para as satisfazer através de soluções inovadoras de forma ágil, rápida e simples? Onde vamos querer estar? À frente ou atrás da curva da mudança?

Chief Innovation Officer